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Tijolinho #1 "Antes do céu cair"




Tijolo “Antes do céu cair”


O tijolo que hoje chega vem da floresta. Dos cantos das beiras de rios fartos de força, alimento, energia e alma. Alma que segue pisando no ritmo marcado das sementes saltitantes dos maracás de anciãos, adultos, jovens, crianças, gente. Gente que se faz natureza e de seu ritmo floresce dia após dia calmamente, em ação de existir e resistir como condição dada desde sempre, em frente, em movimento, da dança que pede o pulso da terra, das transformações do céu e do insistente entulho-branco, sendo a força da natureza em ação, como uma orquestra de passarinhos nativos que recebem os primeiros desenhos coloridos dos raios de Sol sedentos por nos abraçar, ou as farfalhantes e sorridentes nascentes de boca aberta para receber as lágrimas de Jaci, quando a noite precisa chorar. Assim é, assim são, assim nos movem e nos mantém de pé. Assim dançam e cantam mantendo o céu ali em seu lugar. Assim surgiu “Antes do céu cair”.


Repletos de gratidão pelo encontro que tivemos com o livro “A queda do céu” de Davi Kopenawa e Bruce Albert, figuras com as quais tivemos a chance de conhecer pessoalmente depois expandindo ainda mais o nosso respeito e admiração por toda sabedoria Yanomami, da serenidade do Davi, e da imensurável importância histórica do trabalho de registro feito pelo Bruce, unindo também o grato encontro que tivemos com o livro: “Contos indígenas brasileiros”, uma obra de Daniel Munduruku, grande mestre escritor e inspirador de nossos passos e aprofundamentos de saberes e perspectivas para com a nossa cultura indígena brasileira. Um esticador de horizontes que também tivemos a chance posteriormente de conhecer e ter uma boa prosa.


Uma obra audiovisual que nos tocou muito quando encontramos foi “Xapiri” com direção de Leandro Lima e Gisela Motta que alcançaram um resultado que transcende qualquer palavra, compartilho aqui um relato do Bruce Albert sobre a obra, que também é uma sinopse que encontramos na descrição do vídeo que está disponível aqui para quem quiser assistir: “Xapiri é um filme experimental, inspirado no xamanismo yanomami. Suas imagens foram registradas por ocasião de dois encontros de xamãs na aldeia de Watoriki, Amazonas, em março de 2011 e abril de 2012. Entretanto, o trabalho realizado sobre estas imagens escapa do registro documentário a fim de produzir uma simulação tecnológica livre a partir do universo visual e conceitual do xamanismo yanomami. Xapiri não pretende descrever e muito menos explicar o trabalho dos xamãs Yanomami. Deve ser considerado como uma tentativa de tornar sensíveis, através de nossas imagens digitais, certas ideias

yanomami sobre as imagens xamânicas (utupë), sua ontologia e sua estética, sua transdução e mutabilidade nos corpos. Trata-se, antes de tudo, de uma homenagem visual à riqueza intelectual e poética do xamanismo yanomami.” Bruce Albert.


Mas, vamos em frente com “Antes do céu cair”, que foi um projeto que realizamos em meados de 2017, quando levantamos dois espetáculos e tivemos a possibilidade de ir ao encontro de muitas crianças em um local repleto de potência, caos, contradições, alegria, uma espécie de fábrica de memórias e sonhos que nos acompanham por toda vida: a escola.


Foram dois espetáculos, o primeiro foi: “Xapiris”. Neste espetáculo buscamos transbordar a intrínseca poética indígena em ações que cuidadosamente costuraram: musicalidade, com instrumentos nativos como flauta de bambu, maracás e apitos artesanais indígenas com o intuito de tornar palpável o universo invisível dos xapiris que compartilhamos em nossas palavras, como narradores-condutores da curiosa e misteriosa história desses seres invisíveis, dançantes, noturnos e companheiros de vida dos xamãs yanomamis. O segundo espetáculo foi “O Sol e a Lua”, e desta vez para apresentar a ideia do espetáculo vou compartilhar a sua sinopse, que comunica por si: “Do céu, o Sol e a Lua observam de longe a floresta e também se olham entre si, com uma visão detalhada mágica. Observam guerras e amores. Fatos e histórias dos homens, muitas vezes perdidos em seus próprios caminhos. A Lua e o Sol, em sua comunicação intuitiva muito desenvolvida, sonham em rechear a floresta com flores, a fim de harmonizar o homem.” Neste, a busca pelo transbordamento poético intrínseco do universo indígena continua, assim como o entrelace entre a musicalidade com instrumentos nativos para construir a paisagem sonora do espetáculo e sua narrativa, nesta já buscamos explorar mais profundamente o uso de músicas cantadas com o instrumento violão servindo de base ao longo da condução dos fatos da história, o que foi além de uma grata experiência para nossos passos, uma boa empreitada criativa para conciliarmos o que a narrativa da história pedia com as composições musicais, um quebra cabeça trabalhoso e divertido de vivenciar.


Assim iniciamos o ano de 2017 e posso dizer que todo esse processo, desde o desejo de procurar os livros, conseguir encontrá-los, os dias e noites de leituras, anotações, conversas maravilhosas, à criação dramatúrgica das obras, as escolhas e renúncias inerentes do caminhar, o caos, as crises, o debruçamento na musicalidade nativa e suas possibilidades, a composição das músicas e toda poesia presente que nos permeia até agora, enquanto escrevo, enquanto busco dar forma a este tijolo aqui, com toda certeza nos transformou muito e sinto que tudo isso reverbera nas nossas ações e escolhas de hoje, mas isso já é assunto para um outro texto.


Rafael Palmieri




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